Os olhos
Francisco é uma pessoa normal, comum. Nem bonito, nem feio, nem alto e nem baixo, nem gordo, nem magro. O cabelo castanho sem brilho mas bem cuidado completa um visual medíocre, sem nenhuma característica física que se pode destacar. A primeira vista, passaria facilmente despercebido pela multidão. Mas, como costumamos dizer 'não julgue o livro pela capa'... era só se aproximar um pouco mais para poder ver os olhos deles.
O olhar sem foco de Francisco se destacava na proximidade. Mesmo a meio palmo de distância não se conseguia definir ao certo se os seus olhos eram castanhos esverdeados ou verdes acastanhados. Assim também como não poderia se afirmar se o balzaquiano enxergava algo. Sem querer abusar de máximas, mas se é verdade o que dizem por aí que 'os olhos são o espelho da alma', então, talvez, Francisco tenha um problema bem maior do que simplesmente falta de carisma...
A verdade é que Francisco vê sem enxergar. Não está em um mundo de escuridão completa, mas desde pequeno seus olhos não conseguem definir imagens. A vida, para ele, não tem linhas, é como uma fotografia tirada em movimento: um borrão colorido. Sendo assim, Francisco não consegue, pelo menos sozinho, distinguir uma paisagem de uma pessoa por exemplo, pois tudo se funde em uma explosão de cores sem limites precisos.
Capítulo 2
Aprender a ver
Desde pequeno Francisco apresentava dificuldades em enxergar e sua mãe o levou a vários médicos especialistas. Por mais que realizassem exames, nunca nenhum deles encontrou nada de concreto. Já havia se especulado sobre ambliopia - uma doença que atinge especialmente crianças e impede que se 'aprenda a ver' – também se especulou sobre um alto grau de astigmatismo e até mesmo uma precoce degeneração muscular. Mas nunca houve um diagnóstico definitivo e nenhum dos remédios receitados tinha apresentado resultado, por isso a condição de Francisco foi aceita e assim ele cresceu.
Pouco depois que começou a se entender por gente, lá pelos seis ou sete anos, foi que Francisco reparou que quando se deparava com a face de outra pessoa bem próxima a sua, ele conseguia enxergar com nitidez e definição tudo que se refletia nos olhos alheios. A primeira fez que aconteceu foi quando sua mãe o colocou na cama e, ao se debruçar para cobri-lo e beijar lhe a testa, ela chegou com seus olhos bem próximo ao olhos dele... por uma fração de segundos Francisco se viu nos olhos da mãe.
Francisco pensou, em um primeiro momento, que o acontecido era fruto de sua fértil imaginação. Tanto sua mãe, quanto sua avó gostavam de ler para ele e as incríveis histórias sempre aguçavam a mente do menino, que vivia a fantasiar aventuras. Porém o fato começou a se repetir sempre e ele contou (e provou) para sua mãe o que ele conseguia fazer.
Capítulo 3
Além do olhar
As atenções sempre foram voltadas para o problema de visão de Francisco que, talvez não por isso, desenvolveu uma personalidade apática. Ele não se envolvia com as pessoas, não apresentava interesse aparente por nada, era até possível afirmar que não tinha sentimentos...
'Esse menino não tem alma', foi a primeira coisa que o avô materno disse ao olhar Francisco recém nascido. 'Veja o olhar dele', insistia, 'sempre ouvi falar em pessoas desalmadas, mas achava que elas não existiam'. Ninguém deu muita atenção ao avô que vire e mexe soltava umas maluquices de seus tempos, mas a verdade é que ele parecia ter medo do menino e evitava-o a todo custo.
Quando a mãe de Francisco contou a seu pai que o menino podia enxergar através do reflexo de seus olhos, o horror tomou conta do rosto dele: 'Você não entende minha filha, o menino não tem nenhum problema de visão, o que acontece é que ele não possui uma alma... ele enxerga através de seus olhos pois toma como emprestada a sua alma'. Por um instante ela refletiu sobre as palavras do pai, não que quisesse acreditar naquela história macabra, mas sim por causa do que sentia quando seu filho via pelos seus olhos. Era um vazio sem fim, um sentimento triste e perturbador, como se tivessem acabado com toda sua esperança. Acontecia todas as vezes que se os olhos nos olhos se repetia, pensava, até aquele momento, que era um sentimento de pena pelo situação, mas ela estava muito enganada.
As palavras do pai remoeram sua cabeça por anos, ela evitava o filho sempre que podia, ela e todos que conheciam Francisco. A rejeição e o isolamento parecem não ter mexido nem um pouco com ele que continuou crescendo e tornou-se um homem. Assim, mais velho, Francisco começou a sair mais de casa e sempre que encontrava uma pessoa na rua, tentava uma aproximação para usar-lhe a alma. Ele já tinha escutado a tal história que, agora falecido, o avô em outrora contava. Mas nunca demonstrou e nem opinou nada a respeito. Ele sabia bem que o que fazia não era bom para as pessoas, mas não tinha muito definido em sua cabeça o que era bom e o que era mal, simplesmente fazia por uma necessidade, quase um instinto.
Um dia, sentado no banco da praça em frente de sua casa, uma bela menina se aproximou de Francisco. Muito tímida, ela já vinha vigiando ele há algum tempo. Conhecia as histórias que contavam sobre ele, mas com a curiosidade da juventude pulsando em suas veias, ela se aproximou. Mesmo sem nada de interessante para falar, era impressionante como a voz de Francisco era envolvente. No começo, a garota ainda conseguiu evitar seus olhos, mas depois de alguns minutos, estava mergulhada numa angústia sem fim, em um estado de perturbação total, como um sufocamento... foi mais do que ela podia agüentar, o esgotamento emocional fez com que caísse, já sem vida, aos pés de Francisco, que se levantou e foi embora.
Capítulo 4
O sentido da vida
Todos comentavam o acontecido, diziam que a pobre menina havia morrido de tristeza. Não havia nada de errado com a saúde dela e nenhuma prova contra Francisco, mas a expressão do rosto na hora da morte era de um vazio inexplicável e perturbador. 'O sufocador roubou a alma dela', um comentário solto durante o velório fez com que todos se benzessem.
Por mais que a família de Francisco tivesse tentado 'esconder' a sua bizarisse, depois daquela morte tornou-se impossível. Alguma das vitimas do sufocador de alma (como era vulgarmente conhecido) já haviam ido parar em hospícios e manicomios depois do perturbador contato visual, mas nenhuma delas, até aquele momento, tinha sido fatal. Com a morte sua história tomou os jornais e muitos médicos, de corpos e de almas, queriam ver o tal sufocador, cada qual com sua teoria, mas nenhum tinha uma explicação. Como era de se esperar nem o alvoroço causado pela divulgação da história e nem a morte da menina não mexeram com Francisco.
A lua cheia brilhava magnífica em uma noite aparentemente calma, Francisco, que agora só saia de casa de madrugada para evitar curiosos e possíveis vitimas, voltava de uma caminhada quando foi violentamente abordado por uma senhora tomada pela ira. 'O que ela te fez', gritava com uma voz histérica e estridente. Era a mãe da curiosa menina que teve sua vida apagada anos antes. O gesto da mulher derrubou Francisco no chão. Ele não teve a oportunidade de nada falar. Rapidamente, ela subiu em cima dele, que estava deitado na grama de barriga para cima, e começou a esmurrar, com todo o seu ódio, o rosto de Francisco. 'Ela era minha vida, minha única filha' e as lágrimas daquela mãe desesperada corriam pelo seu rosto e caiam sobre magicamente dentro dos olhos de Francisco. 'Por quê?', ela gritava, batia e chorava.
A cena não durou muito. A princípio Francisco sentiu somente a dor física das agressões, mas de acordo com que as lágrimas de sofrimento daquela senhora inundavam o seu rosto que estava virado para cima, ela viu a lua. Foi como se as lágrimas tivessem lavado seus olhos e dado a ele a visão perfeita, ou como se tivessem o presenteado com uma alma, ele não sabia. Só sabia que agora estava vendo, enxergando e principalmente sentindo a dor daquela mãe. Pela primeira vez Francisco chorou...
Bruna Presmic
43 comentários:
Moça, que talento enoooooooooooorme você tem?! Menina, publica esses contos que tenho certeza que dinheiro nunca mais será problema!!! Li, absorvi e adorei!!!!!!!!!!!
Moça...
Passei pra ver como andavam as coisas aqui... puxa!
Adorei seus contos...
Tudo muito bacana, viu?
Beijão
Forte.
E cheio de significados.
Quando sair o livro, eu compro!
Bruna
Está llindo esse blog B.
Você tem se revelado uma excelente contista. Parabéns!!
Bruna
que bom que te inspirei.
beijos
Fico feliz em ler isso ;)
Ótimo conto Bruna!
O Blog está muito bonito. Parabéns!
Quando quiser dê uma passada no meu "Boca"
http://bocadiurna.blogspot.com
beijo
do Marcos
puxa, 1o obrigado por visitar meu singelo blog, espero que apareça mais vezes. adicionarei o link de seu blog no meu.
Eu não consigo escrever tanto, meus textos são curtos, e me incomodo com isso - Sinto até inveja de você prolongar uma historia tão bacana, sabendo desenvolver tranqüilamente. Eu não gosto também de ler textos longos, principalmente em blogs.. Então acredite, foi a 1a vez que li do inicio ao fim um texto com mais de 3 parágrafos em um bogger kkk... Sinal que de fato, você é muito talentosa e tem um grande futuro. Estarei sempre olhando seus trabalhos, um abraço !
Olá Bruna! Li o primeiro capítulo do seu conto e me achei a cara de Francisco. Entra lá no meu orkut e vê se eu não sou fisicamente parecido com ele. =) // Mas eu tenho alma, viu? Beijos!
Olá, Bruna
Vim agradecer a sua visita em meu blog e conhecer o seu. Mais tarde volto para ler a crônicas, pois a noite é mais tranqüilo.
Bruna, como vc' é da área de comunicação, quero lhe convidar para uma blogagem coletiva que acontecerá 18 de abril, contra o analfabetismo. Caso tenha interesse em participar, o selo da campanha está no meu blog e é link para o blog das inscrições.
O Blogh B está maravilhoso, vamos botar nossos bloguinhús no agito.
Beijão
Denise BC
Muito bom.
oi,
vim retribuir (honestamente) a gentileza.
Esse seu conto está muito bom;
escolheu bem as palavras, de modo a torná-as indispensáveis.
Um dia terei paciência para pensar tanto assim algo que escrevo.
Obrigado pela visita lá, volte sempre.
Olá Bruna, que prazer encontrá-la no "blogão"!!! Adorei sua visita ao meu mundinho da fantasia, que é também de todos os amiGOS queridos, assim como você. No GO eu não consigo visitar todo o pessoal, porque a certa altura os códigos dos comentários demoram muito para aparecer... Cansei!! O que não me fará desistir de continuar tentando e visitando os amiGOS. Ah, mas voltando a este seu blog... Que maravilha é esta que leio? Envolvi-me com seu conto do princípio ao fim, que mostrou-me através do reflexo de minha tela acesa , cenas de mistério, amor, falta de amor, solidão e emoção... Que lindo!! Beijos e até breve.
pode sim. farei o mesmo.
até.
Nossa fico muito feliz de ter caido aki nesse blog...
Parabéns viw, adorei muito
;D
Bruna
Que belo conto,muito envolvente gostei demais.
Estou colocando no meu blog um link do seu ,pois pretendo te visitar mais vezes.
Beijos
Denise BC
Bruna,
Que bom ter sido "encontrado" aqui por Você.
Muito bom o seu blog.
Abraços
Luiz Ramos
Oi Bruna. Amanhã venho te ler todinha!!... He, he... Obrigada pela visita. Um beijo grande pelo lado de cá e pelo lado de lá do GO!
Bruna, que conto lindo. Triste tb por sabermos que o que Francisco tinha era pura miopia, estragmatismo...
Meu esposo tem esses dois e até aos 8 anos teve muitos problemas para ver. Até que descobriram.
Vim agradecer a sua participacao na blogagem coletiva contra o analfabetismo.
Abracos
Valeu, mas o seu é beeeem melhor!
Pode, claro!! Vou te linkar também, assim que os linques voltarem ao meu bloguinho.
Bruna, que contos gostosos de ler. Escrita leve...
Obrigada pela visita!
freqüentarei aqui sem pedir licença, ok!?
Amei seus contos e sua forma de conduzir cada palavra!
Até mais, Bruna!
TRISTE
do Lat. triste
adj. 2 gén.,
que sente mágoa ou aflição;
que não tem alegria;
melancólico;
infeliz;
mofino;
desgostoso;
lastimoso;
severo;
que inspira tristeza;
sombrio;
lúgubre;
deprimido;
insignificante;
PS: Não entendi seu comentário.
Muito bom Bruna!
Fico feliz por existirem pessoas q escrevem e ousam!
Parabéns.
Obrigado pela visita ao meu blog, espero q apareça mais vezes.
Abraços.
René Moraes
Simplesmente AMEI SEUS TEXTOS. Amei, amei, amei.
você é muito boa, parabéns!
Olá, finalmente tive um tempo de aportar por aqui! Li este e gostei muito! Guarde-os ai pra depois lançar as coletâneas que irei pedir autográfo! Parabéns! Depois venho com mais calma e leio todo o que foi postado anteriormente... Bjos!
Bruna! Já linkei seu B! lá no 44 hehehehe
Puts, fodástico esse conto! Voltarei por aqui muito mais vezes!
E fique a vontade pra me linkar por aqui tbm!!!
Apesar do meu blog ser sobre babaquices e o seu ser pura poesia em prosa, creio que existe alguma coisa em comum!
bjão e poste mais!
Conheço uma pessoa que tem problemas na mácula e levei bem à sério o conto, até que a fantasia invadiu o texto sem cair no lugar comum. Muito show! Beijus
Esta é a alma que voa de um Profeta
Ao encontro do teu sentimento
Este é o sal de alva espuma
Que te ofereço e diadema de espanto…
Olhos de alma, da tua alma
Quero-os no cais da minha chegada
Espero por ti em manto de ternura
No encontro da minha caminhada
Bom domingo
Mágico beijo
Lindoooo!!!! Forte, bem estruturado e significativo. Parabéns. Bjocas
É, eu penso nisso também. Mas não sei como nem onde o faço e também acho os meus contos ruins (em comparação aos seus são um liiiixo). daí isso me desanima um pouco.
Mas, já tá avisado, quando seu livro sair, eu compro, e quero autografaaaado! :D
;*
poxa que história triste...
gostei
=)
Oi Bruna bom receber sua visita no meu blog...
Adorei o seu também.
beijos,
Kariny
atualiza!!
Vim ter a honra de agradecer seus comentários. afinal me deparei com contos excepcionais! =D
Parabens
Beijooos
Que legal Bruna. Adorei. De verdade. Me encanta os contos que me prendem até ao fim.
Beijossss emocionados da Joice!
Bruna, seus contos são maravilhosos... emocionantes!!! Parabens... bjs
Oissssss .. eita menian blogueira .. dá até vergonha do meu bloguiinho perto dos eu ^^
adoroooooo vc viu :)
bjão
Adorei, fiquei com vontade de ler, to cansado de livros técnicos, bjão
Nando Costa
Gostei da maneira como você prende o leitor linha por linha, da capacidade de gerar imagens e dar expressão aos personagens. Passa no meu Mundo da Penumbra para trocarmos uma idéia.
Poético ;)
Devo concordar com meu amigo Samuel, os contos que li aqui são definitivamente cativantes.
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